Uma Tarde de Verão
Dramaturgia – Ficção
— Ei! Você por aí abraçando árvores? Achei estranho um homem solitário abraçado a uma árvore! É interessante também, sobretudo original! — disse Greta.
— Uma ou outra de vez em quando, afinal não posso ser promíscuo! — respondi.
— Você era meio homem meio árvore, mas sem divisão, era tudo misturado. Você entende não é?
— Sim. Na realidade, talvez.
— Agora eu é que não entendi! Nem eu. Deixemos essencialismos e existencialismos para discutir depois.
— É melhor, — disse ela — ainda preciso entender o que faço aqui com meu corpo colado ao seu numa mata de beira de estrada erma e quase abandonada.
— Como assim? — indaguei no olhar.
— Você há de convir comigo que não há nada de normal no nosso caso.
— E… Nós temos um?
— Um o quê?
— Ora, nós temos um caso?
— Bem… — medindo-me no olhar — Aparentemente temos não é? Ao que tudo indicaria a qualquer e improvável transeunte. Se é que o senhor já se deu conta de que está a prensar-me, contra uma das mais frondosas e aprazíveis árvores daqui. E além do mais não posso deixar de sentir a sua protuberante empolgação em misturar-me a essa mesma árvore, ao seu corpo, aos seus pêlos…
— Perdoe-me grácil senhora! Achei que estava feliz e gostosa… A soltarei então!
— Ora vamos lá. Não sejas tão melodramático assim. Vamos resolver tudo sem ansiedade. Só por favor, permita que eu mexa o quadril, assim… Melhora o encaixe!
— Oh! Claro! Posso sentir-lhe a pressão! E que pressão — olhei ao léu e arrisquei –, Mas onde estávamos mesmo?
Como quem representa um papel, ela diz:
— Pelo que me consta estávamos aqui mesmo, nesta mesma e já incômoda posição. Talvez o senhor queira mover-se um pouco mais para frente ou para trás, talvez para frente para trás quase que ao mesmo tempo, o que não seria de todo desagradável!
— Magnífica madame seu corpo está muito quente.
— Houvera não estivesse! Sinto uma efervescência nas entranhas, um derretimento na calota.
— Minha pele arde de teu fogo mulher!
— Se falar novamente assim juro que desmaio aqui e agora. Mas não fuja da questão.
— E nós temos uma?
— Uma o quê?
— Ora, nós temos uma questão?
— E um caso também — completou ela.
— Cavalheiro abraçador de árvores e abrasador de mulheres incautas, poderia fazer o gentil obséquio de baixar um pouco mais este zíper pois está a machucar-me a carne febril? Sente-me o corpo assim de tremores? Um infinito arrepio percorre-me a espinha… Minha cabeça tomada por voluptuosas ondas.
Deitando a cabeça em meus ombros balbucia:
— O que pois fizestes comigo?
— Como assim “o que fizestes”? Vocês são duas pessoas num só corpo de mulher, para minha sorte são duas mulheres também. Você veio até mim e à árvore conduzida por suas próprias pernas sob o exercício pleno de seu perfeito juízo.
— Aí é que está o xis da questão: perdi todo e qualquer resquício de juízo que, por glória e graça de algum anjo ainda não decaído, tenha ousado habitar-me. Ai como vc me aperta. Meu espadaúdo cavalheiro pode descer um pouco mais as suas mãos?
— Olha, está muito bom aqui, tudo muito macio, quente e cheiroso, e a despeito de você ou da senhora sei lá, ser tão generosa, convidativa e hipnotizante, eu tenho que partir.
— Partirás assim o coração de uma jovem esposa de outrem. Sinta quão afogueado está meu corpo, meus músculos retesam-se por conta própria, meus nervos se rebelam… Não sei há quanto tempo estou aqui em pé feito sanduíche, entre essa imensa árvore e essa enorme pujança de seu órgão fálico. Por favor diga-me algo, diga algo.
— Algo.
— Sim.
— Sim, pois não?
— Pois não o quê? Nem tente evasivas, o senhor permanecerá nesta mesma alvissareira e promissora posição até que me dê uma plausível e orgástica explicação.
— É… Não sei como dizer — titubeei.
— Pois tente aqui à orelha dizer-me.
— A sua saia subiu, a sua saia está levantada senhora.
— Sou acostumada a fazer este mesmo trecho uma vida inteira. Mas algo aconteceu desta vez. Lembro ainda que o vi aqui abraçado a esta mesma árvore. Eu lá, Você aqui. Ato contínuo ao dar (ah! adoro dar) por mim estou aqui sentindo-lhe quase todo dentro de mim. E aiiiiii como é bom ouvir você falar! Fala-me à minha nuca! Chego a ficar na ponta dos pés.
— Pronto mulher, meus braços recolho em teus seios, estás livre.
— Sim, mas os meus braços estão ainda presos à árvore e não querem soltar-se. Hummm… Flexione um pouco mais as pernas para que eu sente. Este é realmente um colo muito seguro.
— Por que diz isto?
— Pelo porte e tamanho do pino de encaixe. Hummm… Por essa razão não encontraremos facilmente uma resposta fácil a toda essa questão, pois vejo agora no bambolear do corpo que ser-me-á exigida uma certa e bem afinada sincronia para o lento e profundo encaixe.
— Pois então, eu apenas caminhava por aqui. Caminhava assim de caminhar sabe? Nada mais do que caminhar. Caminhar caminhando nesse caminho já tão caminhado pela senhora caminhante que também caminhava.
— Então ela parou pra te olhar…
— Ela? — interroguei.
— Sim ela e eu. Uma enxerga, outra observa. Uma quer ir, mas a outra deseja. Uma lava, passa, cozinha e come, já a outra despe, deita, abre e no mudo som de um ante-gemido some.
— (risos) Então cole-se a mim e gemeremos os quatro!
— E seria possível ainda colar-se mais? Para dizer a verdade nem colados estamos, estamos sim é perpassados. Posso sentir sua respiração mesclada à minha ainda na garganta sufocada de voz. Sinto o abrasante fogo a fender-me a rocha. Uma pequena rachadura por onde entras em mim agora… Ou será delírio?
— Talvez delírio seja só mais uma forma lírica de viver… Talvez uma nada nova e lúdica maneira de sobrevoar o ápice daquilo que não é, ou que pelo menos não é ainda. Mas o calor de suas coxas escorre líquido em minha lança de ar. Seus cabelos fazem cócegas em minhas narinas.
— Ei garboso varão, diga-me o que fazes da vida? Claro, algo mais do que empalar senhoras contra uma árvore áspera e a seiva de seu corpo.
— Eu sou o seu poeta, oh tão abrasada espécime feminil!
— Uiii! Dizendo-me assim neste tom e ao pé do ouvido, só podes provocar-me prurido! Mas indago sobre teu ofício, pois sim?
— Você é meu ofício neste exato momento. Oficio-te tão bem que já em breve cairá o anoitecer com sua colcha púrpura de silêncio e solidão, e é visto que não te apressas a partir.
— Dissestes bem, teu ofício é partir-me, que de tão partida já entrastes-me à porosa e cálida maciez da minha trêmula e líquida carne. Esvai-me a força em gotículas cristalizadas que arrancastes dos nervos da mãe do corpo.
— Mas o que sentes por assim dizer?
— Neste exato momento percebo a sutileza aquecida do mais íntimo e profundo véu, que acobertava a rosa dos meus ventos, a deslizar pelas minhas pernas até a divisa fronteiriça dos meus pés.
— Calma oh consorte madama. Talvez só o desenrosco da pequena alcinha. Já que tudo o que alça, alça vôo a alçar, destarte respira ofegante a flor que desabrocha entre os úmidos lábios de tua fenda… Pois fender é preciso onde há rocha e deserto à água da ejaculada fenda.
— Oh homem que nada dizes de proveitoso.
— O que te seria mais proveitoso no encontrar-se de nossos séculos? Enquanto durar este conluio carnal e prazeroso, não haverá deleite cerebral proveitoso. O corpo sempre fala mais alto, ele para expressar-se ainda que com pequena precisão, lança mão dos sentidos, apenas como ferramentas, pois o corpo não é o sentido, o corpo fala e o sentido transmite, apenas transmite. Tudo se faz e se dá no corpo. Teu corpo está molhado não de uma massa encefálica, mas está embebido nos prazeres, necessidades e dores da carne.
— Tens razão! A insanidade do meu desejo ecoa pelos poros.
— Mas o corpo é sano, a insanidade é encontrada no poro por este mesmo ser um buraco, um furo, um vão e uma ausência de carne. Logo, o desejo do corpo não é insano, insana é a compreensão transmitida pelo sentido que transcende o poro. Entende?
— Não muito bem. — Não a condeno pois também não sei.
— Por que ousa a falar sobre o que não sabes?
— Temos que partir de algum lugar mesmo que para lugar algum. Então aqui estamos apito, embarcação e partida ou quem sabe farol, porto-cais e chegada. Não importa agora para onde vamos, mas da onde partimos.
— Você, a árvore e eu… Nossas seivas misturadas, o meu gosto é o seu gosto e o da árvore também. Acho que faremos um filho, já o sinto escorrendo caótico e belo no meu ninho, bem ali onde o aninho.
— Isto leva-me a considerar o vinho… O vinho é o que desinibe, na ralidade põe-nos pra fora de nós mesmos; é antes um adivinho.
— Teus pêlos em minhas costas finas, teu hálito em meu pescoço ereto. Há quanto tempo nesta situação improvável estamos?
— Só sei que aquilo que não podemos provar acaba sempre sendo o mais gostoso. Por quantas vezes assim já estivestes?
— É… foi quase sempre deitada… Isto já é um ménage à trois… Pois até sinto o que a árvore sente. Será que quando parimos, parimos ou paridos somos?
Conversam entre si duas pessoas:
— O que comove tanto seu olhar oh meu doutor?
— Observo aqui três árvores à mesma raíz . A vida é permeada de pequenos afetos fundidos entre si, multiplicando-se infinitamente através do espaço-tempo, na eternidade de um sopro.
luizbucalon
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6 Comentários
Victoria J. C. Polati
Excelente escrita, é divertida historia!
Parabéns Caro Poeta!
Luiz Bucalon
Muito obrigado pela sua apreciação!
Roseli teles da silva
Um dia o sol perguntou a lua porque vc brilha tanto o sol redpondeu assim eu brilho porque vc tbm brilla eu no dia vc na noite e assim somos nós tbm temos brilho e nossas essências
Luiz Bucalon
Muito obrigado pela sua visita tão carinhosa!
GEDIEL PINHEIRO DE SOUSA
Rapaaaaá…senti o universo sambando em meus olhos de um jeito estranho… são os desígnios da natureza.
Parabéns amigo/escritor/poeta Luiz Bucalon.
Luiz Bucalon
Muito obrigado pela leitura! Ainda estamos com uma parte em primeira e outra parte em terceira pessoa. Abraços