Um Lapso no Tempo
Conto filosófico – Fluxo de consciência
Eis o que me aconteceu bem ali na rua XV de Novembro, encontro Helena. Por cima de seus ombros, alvos ombros, avisto um grande relógio em pedra. É a igreja Matriz. Os ponteiros denunciam os portais do meio dia.
Por uma janela interposta, num redemoinho de eras sobrepostas viajo séculos e séculos aquém…
Vi Napoleão de joelhos aos pés de Josephine.
Hitler congelando soldados ma inóspita Sibéria. O cavalo de tróia sem arreios e o passado presente de grego.
Vi a fúria dos monges medievais. Soldados da fé fritando corpos. Vi Trotski e o exército vermelho. Vi a comuna descomunal.
As mulheres que se riam na taberna, irmãs daquelas amarradas na caverna eu vi. Vi o peronismo florescer na Argentina. Mussolini e seus tendões fascistas.
No sexto português uma Carlota Joaquina. Vi o Taj Mahal num torvelinho de areia. O esplendor do reinado Nabucodonosor.
Honoré de Balzac e suas balzaquianas. Gabriel Garcia Márquez passeando na mórbida Macondo com os Buendia.
Vi um foguete rasgando os céus e aves de aço cuspirem terror e fogo sobre Hiroshima. O soldado numa carta de lágrimas empoçando de sangue as trincheiras.
Vi coronéis engalanados e possessos de vida e riso. Quantas vidas de sonhos adulterados. Vi um museu de cêra de horrores enquanto o diabo sobre todos bafejava.
Vi a mancha no canal do Panamá. Mandela acorrentado numa torre de Babel. Vi Chico e seu zepelim gigante. O mendigo caído num prato de feijão descansando entre as coxas de Maria.
As geleiras os desertos as tempestades, a tudo isso eu vi tão ali. As eras glaciais o resfriamento. A poeira cósmica chocando estrelas cadentes mortas no parir de homens.
A curta distância de um ano-luz vi os judeus sucederem fenícios para serem incinerados depois. As juras secretas de amor do barqueiro e o monge Sidharta. A amante secreta com a partitura ao colo de Beethoven.
As espirais do Inferno de Dante. Dom Quixote lutando contra os moinhos de vento.
O padre jejuando com as mãos sobre a Bíblia bem diante da lareira. Eu vi as rochas clamarem entre éons de incrustação.
Eu vi uma ossada de neandertais ainda não fossilizada. O morro dos ventos uivantes
descortinando uma nova aurora nas estepes.
Vi a Terra e o centro do fogo nos planetas de corações agalopados.
Eu vi… Eu vi… Eu estive lá creiam-me! Foram séculos e milênios e o ponteiro nem se moveu. O relógio ainda marca meio dia e ainda estamos na mesma primeira badalada
Nossaaaa!… E eu ainda estou aqui…
luizbucalon